domingo, 14 de outubro de 2012

Um drama da geração conectada


Imagem: internet

Sou do tempo em que paquera funcionava com troca de olhares, piscadas de olhos, um riso de canto de boca que dizia mais do que palavras. Não, não sou tão velho quanto você pode estar pensando agora. O mundo é que está mudando rápido demais. Ou melhor, as pessoas que estão numa metamorfose ambulante desenfreada. E o pior: sem motivo para isso! A transformação ocorre hoje não por necessidade, mas para dar sequência a uma "atualização" de costumes automática, como se fosse programada por alguém num ambiente virtual simplesmente para que acontecesse.

Tive uma ligeira conversa sobre o assunto, dia desses, durante uma aula. Minha professora, mais jovem do que eu, foi quem disse - em outras palavras - o conteúdo da primeira linha deste texto. Concordei com ela. E acrescentei, em tom cômico: "paquerar" não se conjuga mais com frequência; o verbo da vez é "sensualizar". Guardamos a inocência e o romantismo naquela gaveta esquecida do guarda-roupas e escondemos tão bem a chave que não conseguimos encontrá-la mais. Vejo a maior parte dos gestos e palavras num começo de relação - se é que posso chamar ainda assim, de relação - com uma carga excessiva de sensualidade. Nada contra o sensual, deixo claro logo de agora.

Fala-se muito em tirar maior proveito do tempo. Afinal, para quê desperdiçar horas, dias, semanas num flerte à moda antiga, se você pode chegar de cara em quem está interessado e tascar-lhe um beijo? Só que, e depois disso, o que vem? O Arnaldo Jabor chamou essa geração de "tribalista", em alusão aquele grupo musical que canta "...eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também". Disse o brilhante cineasta, numa de suas crônicas:

Será que os grupos tribalistas se esqueceram da velha lição ensinada no colégio, de que toda ação tem uma reação? Agir como tribalista tem conseqüências, boas e ruins, como tudo na vida. Não dá, infelizmente, para ficar somente com a cereja do bolo - beijar de língua, namorar e não ser de ninguém. Para comer a cereja, é preciso comer o bolo todo e, nele, os ingredientes vão além do descompromisso, como: não receber o famoso telefonema no dia seguinte, não saber se está namorando mesmo depois de sair um mês com a mesma pessoa, não se importar se o outro estiver beijando outra, etc, etc, etc. Embora já saibam namorar, os tribalistas não namoram.

Não namoram e fingem não se envolver, não sentir vontade de ligar, de dizer que já estão envolvidos. É uma geração que se passa por independente, mas com uma independência "sonrisal". No primeiro banho de água que toma, dilui-se em lágrimas no colo dos amigos, dos pais, das músicas melosas e da internet. Não faz muito tempo a pieguice era algo considerado brega. Hoje, frases de poetas (ou não), trechos de músicas, scraps são curtidos e compartilhados loucamente. De uma hora para outra, passaram a valorizar a simplicidade das palavras; #sóquenão! Querem exibir ao mundo uma sensibilidade que não têm mais. Outro dia, fiquei surpreso ao ouvir de um jovem num transporte coletivo que "o povo de Campina Grande só pensa em sexo". E foi em tom de revolta de quem parece esperar há muito tempo um romance perfeito. Muito tempo =  talvez alguns meses, poucos anos...

Dizem que a história se repete. Então, que voltem os tempos nos quais a pressa não seja artigo de necessidade, os romances não sejam descartáveis, o respeito não seja sonho, mas realidade. Por enquanto, na guerra das intenções, sinto informar aos últimos românticos como eu, que as segundas estão vencendo as primeiras.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Manual da indireta

Imagem: internet

Nem todo mundo sabe usar a sinceridade com elegância. Para estas pessoas, eu aconselho: sirvam-se das indiretas. Ao contrário do que andam espalhando internet afora, eu acredito no poder de ajuda que elas carregam. Eu mesmo já fiz uso deste recurso várias vezes nas redes sociais, com o objetivo de dar aquele toque a quem tenho apreço, mas não sou tão próximo a ponto de arriscar jogar uma "verdade" na cara. Se a carapuça vai servir ou não; se ela vai ser ponto de partida para uma mudança positiva ou não; se vou ser mal interpretado ou não; isso NÃO importa. Para uma minoria, a intenção ainda vale algo. E eu pertenço a este grupo, com orgulho!

Só peço que não misturem a boa função da indireta com covardia, maldade, imaturidade. Certifique-se de que as suas postagens possam facilmente ser enquadradas naquela categoria das críticas construtivas. Mesmo que não cheguem ao destinatário correto e seja decodificada preservando a orignialidade, que sirva de boa reflexão. Aí vale um lembrete: depois de clicar em botões como "publicar", "tweetar", "compartilhar", "enviar", as suas palavras chegarão a várias pessoas ao mesmo tempo, que estarão, cer-ta-men-te, inseridas em contextos de vidas também distintos. É aquela coisa do "atirar" na direção de apenas um indivíduo e acertar dezenas. É assim também que se cultivam desafetos...

Tenha em mente um problema que não seja exclusivo e, nas pontas dos dedos, responsabilidade. Para gente que não respeita a liberdade de expressão, basta um "Não é somente a sua opinião que deve ser levada em conta!". Aos preconceituosos, "Respeite as diferenças. A personalidade do ser humano não foi construída em linha de produção.". E por aí vai.

Claro que sou profundo defensor da conversa direta, de preferência olho no olho. Só que nem sempre ela é viável. Então, ficar parado é que não pode. Com dicas genéricas, que constituem pequenos gestos, você pode fazer coisas grandiosas. Que sejam para o bem... Penso assim, vocês podem respeitar a minha opinião?

Ps.: Este texto não foi direcionado a nenhuma pessoa. Surgiu de uma conversa de bar com um querido amigo.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

As paredes falam


A humilhação teve cara, corpo e nome hoje para mim.

Ela passou a noite em claro, com medo de um pesadelo que a persegue desde a juventude. Só que é palpável, audível, até chegar a ser insuportável. Minha avó materna nem deve lembrar de quando o alcoolismo dos outros entrou na vida dela pra ficar. Aguentou a brutalidade do marido, potencializada pela bebida, até ele ficar velho. No meio do caminho, três dos filhos mergulharam no vício, onde estão até hoje. Posso estar errado, mas um deles não sai mais de lá... Lembro com choque da minha mãe dizendo: "Ela nunca recebeu carinho. Por isso não tem o costume de ser bem tratada." Meu avô morreu há pouco mais de um ano. Meu tio, o mais trabalhoso de todos, faz questão de matar a cada dia uma fração da própria vida e outra da vida da própria mãe.

Não faz muito tempo, era admirável a coragem com a qual encarava a revolta do filho, com o dobro do tamanho dela, mas com nem metade da força que ela possui. Eu, criança e adulto, com medo ficava e fico diante das muitas situações. Agora, o que me chamou a atenção foi o medo. Com depressão há alguns meses, minha avó fechou a porta do quarto ontem à noite e ficou na rede, calada, enquanto o filho falava alto e sozinho em casa, fora de si de tão bêbado. Ela não dormiu. Minha mãe, ao lado dela, também não. Eu, num quatro próximo, coloquei música alta nos fones de ouvido e pouco escutei até adormecer já no meio da madrugada. Poucas horas depois, acordo com o som de um desabafo através das paredes. Mamãe "vomitando" os desaforos que teve de aguentar e que nem um chá conseguiu fazer com que descessem goela abaixo e fossem digeridos. Falou um tanto, ouviu outro. Na ira, ela - também enfraquecida - fortaleceu-se.

Irmãos mobilizados para salvar o resto de vida ao lado da mãe. Sempre de perto, eu observava tudo. Minha avó numa cadeira de balanço velha, a mesma de onde não saiu durante o velório do meu avô meses atrás. Cabeça sempre caída, olhar triste, fala pouca, cabeça longe, sem um sorriso sequer. Ela ouvia muita gente encaminhando a vida dela, sem pedir licença. Desconfiada, perseguia os rastros das armações dos filhos. Uma que cochichava com a outra, que telefonava para outro, que esperava outro chegar da casa próxima. Tudo a levava para uma decisão. E, antes que fosse sugerida, fez questão de publicar em poucas palavras: "Eu não aguento mais isso. Quero denunciar."

E assim fez. Depois de uma tarde de desabafo na delegacia do idoso de Natal (RN), voltou pra casa com um boletim de ocorrência nas mãos, disposta a dar um fim nos abusos de um dos filhos. Os outros, em escalas diversas de envolvimento, fecharam na decisão de que passou da hora de o irmão sair de casa. Eu fiquei com a impressão de que a disposição da minha avó foi fachada. Ela foi levada àquilo pela pressão. Esperta como a vida ensinou a ser, jogou água fria na situação até que ela retome as energias para participar do próximo espetáculo.

Naquele drama todo, aprendi um pouco mais sobre o que é uma mãe. Mesmo sem perceber, Dona Creuza cede um pouco da vida para proteger um filho que, aos olhos do mundo, não mereceria. Um preço caro, mas que não poupa. Ela responde com o bem, o mal que recebe. Admirável e assustador ao mesmo tempo. Que o bem vença essa guerra.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012


Um conto de Carnaval
Saía de casa de manhã, me juntava com os outros moleques da rua e íamos em busca do material para fazer as pistolas d'água "artesanais". Toda terça-feira de carnaval costumava ser assim há uns quinze anos. Minha mãe jamais poderia saber desses planos todos, senão não dava samba o negócio. Depois do almoço, meu imão mais velho e eu escapávamos de casa e aí começava a diversão. Divididos em grupos, cada um de um lado da rua, a guerra de jatos d'água começava. E durava o dia inteiro! Voltava pra casa ensopado. Aí o tempo foi passando e o meu carnaval caiu no esquecimento e no desgosto. Em alguns anos, ainda viajava para o litoral e passava o dia lá. Nos outros - a maioria - ficava na minha cidade mesmo. Overdose da festa do sudeste na televisão, com a qual nunca fui com a cara. Carnaval pra mim virou sinônimo de tédio, chatice.

Aí fiz greve da festa de Momo por longos anos. Até que em 2011, no finzinho, decidi com um amigo da época da guerra dos jatos d'água que voltaria a curtir o Carnaval em grande estilo. Ficar em casa pra quê, quando se tem muita diversão lá fora?! Sem muito planejamento, escolhemos a multiculturalidade de Refice e Olinda para 2012. Encontramos abrigo no apartamento de uma amiga minha e três dias de folga do trabalho, justamente quando a festa estaria no auge.

Fui sem gostar de frevo e voltei encantado com a dança e com uma sombrinha colorida típica na mala. Disse uma vez nesse meu feriadão: burro é quem não muda de opinião. Nada é fixo em vida. Mudei, inclusive, o conceito de Carnaval que tinha. Neste ano, a prévia da minha festa começou com trabalho dobrado para compensar os dias de folga, a ansiedade de viajar para curtir algo novo, em fazer a mala às pressas, em acordar de madrugada para chegar na rodovária a tempo de tomar café da manhã e bater um papo rápido divertido com o moço do guichê da companhia de ônibus:

-Tenho como comprar aqui a passagem de volta na próxima quarta-feira?
-Você tem certeza de que volta?
-kkkkkkkkkkkkkkkkkkk. Bem, eu pretendo, pelo menos...

A festa em si foi dividida em dois dias que, de tão bons, passaram a impressão de que foram cinco, sete. Na programação, tomar cerveja numa birosca durante o dia, almoçar num hipermercado, conhecer gente nova, esticar o "s" para imitar "ox pernambucanox", encarar banheiros químicos (que são verdadeiras armas químicas. rsrsrs). Recife Antigo à noite. Ah, uma maravilha! Jamais havia sentido o espírito do Carnaval. Em cada esquina, um bloco diferente passava e nós acompanhávamos ao som de marchinhas antigas. Num dos primeiros, nossa anfitriã comenta:

-Nossa, como tem gente fantasiada de palhaço!

Olhamos para os lados e concordamos tassitamente. Mais na frente, avistamos o estandarte do bloco: "Segunda tem palhaço." Pérola um. kkkkkkkkkkkkkkkkk

Depois disso, um passeio pela estrutura e abrangência da festa. Praças, ruas, avenidas. Frevo, maracatu, samba, reggae, rock, música eletrônica... Vi um pedaço do show da Pitty, o Agridoce. Lindo. Passei pela tenda eletrônica. Aquela vibe mexe comigo. Passamos aperto para ver a apresentação do Seu Jorge. Dia de emoção indescritível! Voltamos à base para um descanso rápido. Depois, o dia inteiro em Olinda. Um outro Carnaval, praticamente. Tão bom quanto o primeiro que conheci lá pelas terras pernambucanas. Ladeiras, muita gente, bonecos gigantes, chuva intensa e uma bebida nova chamada Jurubeba. Uma potência! Tanto que "contrabandeei" duas garrafas para apresentar aos campinenses.
"Dormir é para us fracos e oprimidos". Ouvi e li muito isso nos últimos dias. Então, de uma festa para outra com o intervalo de uma refeição, apenas. E lá estávamos novamente no Recife Antigo para toda a animação da Elba Ramalho e do Alceu Valença. Perfeitos!

Até poderia ser mais detalhista, mas o básico foi isso. Hoje, quarta-feira, estou de volta a Campina Grande. Meu corpo, em cinzas de cansaço, saudade e alegria, pede um tempo para se recompor do melhor Carnaval da minha vida.

"Eu amo o Recife
E adoro Olinda
Mas não sei ainda
Quem fica em meu coração."