Há alguns dias estou muito introspectivo. Meus olhos nunca estiveram tão voltados para o meu umbigo quanto agora. E isso tem me impedido de observar com mais clareza os aspectos que mais chamam a atenção no cotidiano das outras pessoas. Neste início de sexta-feira 30, porém, uma cena me tirou desse momento egoísta. Acho.
Voltava do trabalho, num fim de dia que considerei positivo sob vários aspectos. Na minha cabeça, a mesma imagem que me persegue durante esse tempo e que me envolve de um sentimento que resolvi nomear de "um não sei o quê". Ainda dentro do carro, vi que chovia. E a chuva sempre me atraiu. Aliás, água me atrai, seja ela da chuva, do mar, de uma cahoeira ou simplesmente a não tão natural assim como a que cai do chuveiro. Mas trato da chuva, ela que considero importante fonte de inspiração. A introspecção que me envolvia se intensificou com as gotículas que vi no pára-brisa do carro e que senti ao descer sobre o meu rosto.
Já no meu quarto, decidi que precisava dormir o mais rápido possível, mas não antes de pedir mais uma vez a Deus em oração - e/ou conversa - para que encontre o caminho da minha felicidade. Esse pedido tem sido constante às noites...
Fui para a janela para sentir o vento frio da noite e um pouco daquela água no rosto a me abençoar. Foi da janela que vi aquela pessoa sentada no canto de parede lá embaixo a se protejer do frio, do perigo ou simplesmente da chuva que eu tanto procurava. Sentada no chão da entrada de um prédio abandonado, de roupa simples, ela abraçava as pernas dobradas e as cobria com a camisa vermelha com a qual estava vestida. Do alto do meu egoísmo literal, não tive como saber se era homem ou mulher, menino ou menina. A visão limitada pela noite, pouca iluminação artificial e distância permitiram que eu arrisque a idade daquele ser humano entre 13 e 16 anos, não mais do que isso.
Vi que um guarda parara alí para se protejer da chuva. A poucos metros de distância daquela pessoa de cabelos longos, maltratados e despenteados, ele olhava com um certo ar misto de preocupação, curiosidade, receio e pena. Com poucos minutos, saiu para outro abrigo ao lado. Vi também dois jovens que passavam pelo local. Um deles ainda parou lá e mexeu com ela até que percebeu a presença do guarda e logo saiu. Santo guarda! Somente pela presença, evitou um possível mal. Pouco depois dos dois jovens, ele também seguiu em frente para cumprir o seu papel.
Aquela imagem da janela do meu quarto não era nova. Já havia visto pelo menos outra vez que lembro. E por coincidência ou obviedade, também estava em perigo iminente ao ser incomodada por dois garotos.
Inciei minha oração/conversa com Deus olhando aquela cena e o rumo do pedido mudou porque percebi que o meu olhar voltado para o espelho me ajudava a tornar cada vez mais egoísta. Com um pouco de sinceridade, culpa, obrigação própria, peso na consciência, ou seja mais o que tenha me empurrado para tal atitude, neste início de dia não pedi pela minha felicidade só. Parei os olhos sobre ela do alto com quem quisesse abençoá-la e pedi a proteção de Deus contra todo o mal e pessoas más e as bençãos para que ela encontre a felicidade merecida por todos. Enfim, pedi para que Ele não a deixasse ser mais uma alma viva perdida no mundo.
Ao fim de tudo, fechei janela e porta do quarto e fui dormir no aconchego dos lençóis numa cama confortável, livre do frio e mais protegido do que ela do mal. Só ouvia o barulho das gotas a cair. E a cabeça pensava no que viria no dia seguinte. Mergulhei de volta nas águas do meu egoísmo, que espero ser momentâneo, de onde creio não ter saído nem nesta noite... Daquela cena, restou apenas este texto escrito antes que o meu dia chegasse ao fim.